ATA DA SEGUNDA SESSÃO ESPECIAL DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 16.5.1991.

Aos dezesseis dias do mês de maio do ano de mil novecentos e noventa e um reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Segunda Sessão Especial da Terceira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada a ouvir exposição da Drª Élida Capelã e do Frei Sérgio Gorgen, do Movimento de Justiça e Reforma Agrária, sobre a situação do processo judicial que envolve os colonos detidos no Presídio Central de Porto Alegre. Às nove horas e cinqüenta e quatro minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou a integrarem a Mesa a Doutora Élida Capelã, o Senhor Frei Sérgio Gorgen, o Vereador Dilamar Machado e o Vereador João Motta. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra à Bacharel Élida Capelã, que expôs a situação do processo judicial que envolve os colonos detidos no Presídio Central de Porto Alegre, acusados da morte de Soldado PM, em agosto do ano passado. Discorreu, ainda, sobre a forma como foram presos esses colonos, analisando os motivos pelos quais tal prisão é mantida e resumindo o acórdão da Vara do Júri. Entregou à Mesa dos Trabalhos, dossiê sobre o assunto e cópia do acórdão, para conhecimento dos Parlamentares. A seguir, o Senhor Presidente registrou a presença, em Plenário, do Senhor Inácio Beninca, representante do Departamento Rural da CUT e, também, de representante da Associação Brasileira da Reforma Agrária do Rio Grande do Sul. Após, o Deputado Estadual Luiz Casagrande declarou que conhece a luta dos sem-terra e que a prisão ora em debate é política, pois não existem provas concretas para a manutenção da mesma. Salientou serem esses colonos presos políticos que lutam pela reforma agrária. Ainda, o Frei Sérgio Gorgen, agradeceu a oportunidade de pronunciar-se nesta Casa, dizendo que os colonos estão presos, há nove meses, e que pela Constituição Brasileira responderiam ao julgamento em liberdade. Declarou estarem eles presos porque são colonos políticos integrantes do movimento dos sem-terra e, também, para forçar o culpado a se entregar ou ser delatado pelos demais integrantes desse movimento. Em continuidade, o Senhor Presidente registrou a presença do Senhor Hélio Corbelini, Secretário do Governo Municipal, representando o Prefeito Municipal de Porto Alegre. Após, o Vereador Dilamar Machado reportou-se à prisão ilegal dos colonos acusados da morte do Soldado PM em agosto do ano passado, analisando a diferença entre assassinato e homicídio. Disse que a legislação não está sendo cumprida neste caso, visto que, mesmo sendo considerados culpados, tais colonos teriam direito a responder ao julgamento em liberdade, por serem réus primários e possuírem residência fixa. O Vereador Clóvis Ilgenfritz falou sobre a pressão institucional que esta Câmara fez diante dos órgãos de justiça sobre a prisão de colonos já referida, ressaltando correspondência enviada à Juíza Doutora Elaine Machado, da qual ainda não foi recebida resposta. Informou, também, que, quando da sua declaração como testemunha, foi induzido às respostas como “peças marcadas” no processo. Após, o Vereador João Motta, na presidência dos trabalhos, declarou sua revolta pela forma como a Brigada Militar agiu quando dos incidentes entre brigadianos e colonos, em agosto do ano passado. Disse esperar que o Estado seja permeável à reforma agrária e à democratização dos veículos de comunicação, desejando que esta Casa seja semente de liberdade, de democracia e de afirmação de luta pela reforma agrária. Nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente declarou encerrados os trabalhos às onze horas e doze minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária desta tarde, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador João Motta, nos termos do artigo 11 do Regimento Interno, e secretariados pelo Vereador Clóvis Ilgenfritz. Do que eu, Clóvis Ilgenfritz, 3º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 

O SR. PRESIDENTE (João Motta): Vamos dar início à Sessão Especial destinada a ouvir a exposição da Drª Élida Capelã e do Frei Sérgio Gorgen, do Movimento de Justiça e Reforma Agrária, sobre a situação do processo judicial que envolve os colonos detidos no Presídio Central de Porto Alegre.

Presentes os Vereadores Dilamar Machado e Lauro Hagemann. O primeiro falará em nome das Bancadas do PDT e PFL; depois, faremos um pronunciamento rápido em nome das Bancadas do PT, PTB e PMDB.

Concedemos a palavra à Drª Élida Capelã.

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: Bom dia, senhores, ficamos gratos pela atenção da Câmara Municipal em fazer uma Sessão Especial para tratar da questão dos colonos presos no Presídio Central hoje. A minha tarefa aqui, básica, é dar um relatório sucinto de como é que anda o processo judicial que envolve esses quatro colonos. Sendo que gostaria de, num intróito, colocar o seguinte: nós estamos diante de um caso em que nós temos dois processos, um é o processo penal em si, que é um processo técnico, e o outro é um processo jurídico. E a minha tarefa, hoje, aqui, é explicar esse processo jurídico, tendo em vista que o processo técnico não está tendo andamento ou não está sendo atendido no rigor do que diz a lei. Os quatro colonos presos o foram em razão dos acontecimentos ocorridos dia 08 de agosto do ano passado, sendo que um deles, acusado diretamente de ser o autor do golpe fatal no soldado PM, foi preso em flagrante, o outro teve a sua prisão preventiva decretada logo a seguir e, a posteriori, um mês depois, mais dois foram presos na primeira audiência que aconteceu em juízo na Vara do Júri.

Nós temos um dossiê, foi elaborado um dossiê onde nós damos um resumo das provas que inocentam esses quatro colonos. Nós estamos colocando à disposição dos senhores o dossiê. A base do dossiê, ele apresenta contradições do julgamento em si até agora, tanto na data do inquérito como na fase da instrução criminal, e nós estamos ainda nessa fase para chegar até a pronúncia, se pronunciarem e ir ao júri. Tudo que foi feito, a defesa tem trabalhado cansativamente, apontando em todos os momentos as contradições e as provas que inocentam essas quatro pessoas. As provas, elas não foram assim atiradas a esmo, elas são provas concretas, com testemunhos. Inclusive, nós temos uma prova inédita dentro desse processo, que os dois principais acusados da morte do PM têm seus álibis fotografados e filmados, ou seja, no caso do Otávio Amaral, que é acusado diretamente de ter dado o golpe fatal no PM, ele foi filmado horas antes do acontecido, ou seja, horas antes de o PM ter sido vitimado na Esquina Democrática, existe um filme comprovando isso, dentro do HPS, que dá o momento da entrada dos colonos que foram recolhidos presos durante as manifestações na Praça da Matriz. Existem depoimentos de testemunhas que comprovam a chegada do Otávio Amaral bem antes de o fato ter ocorrido. Otávio Amaral foi preso nas imediações da Praça da Matriz, mais precisamente na Rua Riachuelo, juntamente com vinte companheiros, mais ou menos. Um caminhão da Brigada retirou-os de dentro de um prédio e, tendo em vista que o Otávio Amaral estava ferido no braço, foi encaminhado ao HPS. O momento da chegada do Otávio Amaral no HPS está registrado num filme da RBS TV. A par disso, há testemunhos de umas cinco pessoas, entre médicos e residentes do HPS, que comprovam. Devido à confusão no HPS, pois havia muitas pessoas chegando ao mesmo tempo, PMs feridos, colonos feridos, não foi feito o registro do horário da entrada dessas pessoas no HPS, mas há testemunhos de atendimento, em determinado horário, dessas pessoas que estavam chegando feridas, principalmente colonos.

Em relação ao José Carlos Kowaski, nós temos uma foto, feita pelo Jornal do Brasil, que dá o momento da sua prisão em frente ao Palácio Piratini. Essa foto foi juntada aos autos como comprovante, o horário, o testemunho do fotógrafo, que é uma pessoa que não é ligada ao Movimento, não é ligada a partidos, nem nada, é um profissional que estava presente e fotografou a prisão do José Carlos Kowaski. Esta foto mostra José Carlos Kowaski com roupa, calça listrada, camisa e com as mãos à altura da cabeça.

O que acontece? Tendo em vista o que foi levantado em nível de provas, se pediu o relaxamento de prisão para o flagrante do Amaral e a derrubada da preventiva do Kowaski. O Juiz da Vara do Júri negou. Diante da negativa dele, foi impetrado um habeas junto ao Tribunal de Justiça, Tribunal de Recursos, na tentativa da liberação dos colonos presos. Comprovou-se que eles não eram os autores e nem estavam presentes no momento que se deu o fato. Também se alegou e se comprovou que os réus são primários, de bons antecedentes e com residência fixa. Ou seja, objetivamente, os réus preenchem os requisitos legais para estarem em liberdade. O Tribunal negou o habeas, acatando o despacho do Juiz da Vara do Júri, dizendo, em resumo - eu tenho aqui a cópia do acórdão, que coloco à disposição dos senhores, eu vou dar apenas um resumo, porque o acórdão é muito extenso -, dizendo, em resumo, que a prisão deles seria mantida para fins de manutenção da ordem pública. Ou seja, eles não seriam colocados em liberdade para não voltarem para o seio do Movimento dos Sem Terra. Objetivamente, foi isso aí que eles julgaram.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Eu vou pedir-lhe um aparte, acho interessante para o entendimento dos presentes. No momento em que a Doutora ingressou junto ao Juiz da Vara do Júri, primeiro, eu gostaria de saber o nome do Juiz que deu o despacho negando a liberdade provisória dos acusados e gostaria de saber da Doutora qual o parecer do Ministério Público, se houve manifestação do Ministério Público, obrigatoriamente deveria haver. E se o Promotor da Vara do Júri foi favorável ou foi contrário ao pedido da defensora dos réus. Peço, também, que a Doutora esclareça a todos, dada a informação de que Otávio Amaral foi preso em flagrante delito, acusado de ter desferido o golpe fatal no PM Valdeci, e a prova me parece mais do que lógica e robusta de que ele estava no HPS no mesmo horário. Quem lavrou esse auto de prisão em flagrante e quais os fundamentos para que a autoridade policial ou judicial decretasse a prisão em flagrante, que é um ato jurídico muito forte?

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: Em primeiro lugar, eu gostaria de esclarecer o seguinte: não fui eu que entrei com o pedido de habeas, quem atua na defesa técnica dos colonos é o Dr. Luiz Goularte Filho, o Dr. Ricardo Amaral e o Dr. Frederico Guazelli, eles atuam diretamente na defesa dos colonos. O Juiz é o Dr. Guimarães Ribeiro, que, hoje, não se encontra mais na Vara do Júri. Houve a manifestação do Ministério Público, foi a de que eles não tinham residência fixa, seria necessário que eles continuassem aqui, a fim de influir na boa instrução do processo, e também a questão da ordem pública, que é o cerne da questão. A manutenção da prisão deles tem sido a ordem pública.

Otávio Amaral foi preso em flagrante - e aqui eu coloco “flagrante” entre aspas - pelo seguinte: três testemunhas arroladas pela Brigada Militar, lá na Prefeitura, essas testemunhas foram a base para a lavratura do flagrante, ou seja, elas reconheceram o Otávio Amaral como o autor do golpe fatal do PM. O nome das testemunhas e o teor do depoimento delas constam do dossiê. Agora, seria bom esclarecer como é que se deu esse processo de reconhecimento. Os colonos que se abrigaram na Prefeitura, depois do fato, depois de intensas negociações que se prolongaram durante o dia inteiro, à noite saíram, através de um acordo, saíram para o CET, para passarem pelo processo de identificação e reconhecimento dos possíveis autores. O acesso aos advogados no CET se deu de uma maneira muito peculiar. Era mais ou menos meia-noite, os advogados ainda não tinham tido acesso àqueles colonos que estavam lá: depois de intensas negociações, foi permitido o acesso aos advogados, com acordo, com os promotores presentes, estava lá o Dr. Ariovaldo Perrone e outro que não recordo o nome agora, o Delegado Nelmo Boné, que conduziu o inquérito, mais os agentes, mais o Secretário de Segurança Pública. Foi colocado que os colonos passariam, ali, tinha mais ou menos umas sete testemunhas de acusação, que essas pessoas identificariam os colonos, colocados em grupos de dez. Só que nós exigimos, como a lei manda, que outras pessoas, que não colonos, fossem colocados junto aos colonos, para que se desse o processo de identificação de forma ilesa, para que isso não viesse a afetar ou até ser premunidade de nulidade. Isso não foi aceito, sob o argumento de que seria praticamente impossível buscar pessoas naquela hora, passaríamos uns três ou quatro dias num processo de reconhecimento e identificação. Mesmo sob protesto dos advogados presentes, foi feita a identificação e reconhecimento.

Como é que se deu a identificação do Otávio Amaral? De uma forma muito estranha, estranha para os advogados e para os presentes que ali se encontravam. O Otávio foi reconhecido por três pessoas: Edson Siqueira, Fabiane, que é sua secretária, e a esposa do Edson Siqueira. Eles reconheceram de fato e de forma taxativa que o Amaral seria o autor e o Kowaski seria a pessoa que teria segurado o PM. Acontece que no depoimento dessas pessoas, dessas testemunhas, elas apontam e descrevem o Otávio Amaral como sendo uma pessoa de cabelos escuros. O Edson Siqueira disse que o Otávio Amaral estava de chinelos “Havaiana”, a camisa seria de cor clara, a calça listrada, mais ou menos assim. E nós temos um filme que comprova que, quando o Otávio Amaral estava na Praça da Matriz, ele usava botas de cor clara, ele usava uma calça verde, uma camisa preta, um blusão e uma jaqueta de brim, tinha um boné na cabeça. No momento em que ele estava no HPS, ele se encontrava com a mesma roupa. Não houve uma modificação. Ele estava com as botas, a calça verde e a camisa preta; já estava sem a jaqueta, porque ele enfaixou o braço. Quer dizer, ele não trocou de roupa em nenhum momento, como alegam as testemunhas.

Também, em relação ao Kowaski, foi colocado que ele teria trocado de roupa. Lá no processo de reconhecimento, ou seja, na identificação, já estariam com roupas diferentes, e essa seria a surpresa das testemunhas. Inclusive o Edson Siqueira colocou que ele estaria até barbeado. Ele tinha cortado o cabelo e feito a barba. Então, todas essas contradições, todos os depoimentos contraditórios das testemunhas foram apontados, foram levados através de postulação ao Judiciário, foi levado ao Superior Tribunal de Justiça também, que negou.

Então, o que acontece? Não há uma preocupação com o conteúdo, a prova em si, a prova técnica, ou seja, a preocupação de que estas pessoas que se encontram presas são de fato inocentes, e há provas mais do que suficientes da sua inocência, mesmo que não se possa discutir, neste momento, a prova em si, mas há indícios suficientes da inocência destas pessoas e há um princípio constitucional que garante a presunção de inocência até prova em contrário.

Além do fato de que estas pessoas se encontram presas há mais de nove meses, já decorreu o prazo legal de sua prisão sem julgamento. Elas se encontram presas ainda, elas não foram soltas. Por que elas não foram soltas ainda? A posição do nosso Judiciário tem sido de que, caso vier a liberação delas, a ordem pública estará em perigo. A população da cidade de Porto Alegre estará sujeita à periculosidade dos agentes. Se os senhores fizerem uma leitura superficial do acórdão, vão observar claramente a conotação política deste julgamento. Não sou eu que estou dizendo, são palavras dos desembargadores que julgaram o pedido de habeas, eles deixam bem claro que, uma vez soltos, eles voltam ao Movimento dos Sem Terra e, com isso, vão praticar invasão de terras, o que, para a Justiça, é considerado ilegal. O que nós colocamos é que, hoje, não se estão julgando as pessoas em si como infratoras da lei, mas, sim, está se julgando um movimento organizado de trabalhadores, ou seja, o Movimento dos Sem Terra. O que se pretende esclarecer para a opinião pública é que se quer um julgamento justo, isento, imparcial.

 

O SR. PRESIDENTE: Drª Élida, o Deputado Luiz Casagrande, que está representando a Bancada do PT na Assembléia, está com problema de horário, vai ter que se afastar neste momento. Então, para que não percamos a oportunidade de ouvi-lo e a sua posição sobre esse episódio, gostaria de interromper a sua exposição e passar a palavra ao Deputado, para que ele registre, rapidamente, na medida em que estamos fazendo o apanhado taquigráfico de toda a Sessão. Vão ser remetidas a todas as entidades as manifestações que estão sendo feitas neste momento.

Com a palavra o Deputado Luiz Casagrande.

 

O SR. LUIZ CASAGRANDE: Companheiros aqui presentes, estamos aqui representando a Bancada do PT. Gostaria de dizer que nós visitamos os colonos presos e sabemos da luta dos pequenos agricultores sem terra neste Estado. Pela nossa compreensão e pela média de pensamento, pelo uso do bom senso, entendemos que essa prisão dos quatro companheiros é puramente uma prisão política. Em nenhum momento conseguimos constatar no processo e na tramitação de toda documentação que haja uma prova, que haja motivo para aqueles cidadãos estarem presos. Então, nós vemos que é uma questão política, fruto da dominação que está aí, fruto dos que dirigem este País, fazendo com que os cidadãos que estão lutando por uma reforma agrária, por uma manhã melhor, estão lá, injustiçados, presos, sem nenhuma prova, sem nada que comprove e que faça com que estejam lá. Nosso entendimento é de que esta prisão é pura e simplesmente uma prisão política, são presos políticos, porque lutam pela reforma agrária, para que o homem fique na agricultura. Há questão de poucos anos, 70% do povo vivia no perímetro rural, na agricultura, e 20, 30% vivia nas cidades. Hoje inverteu. A prova esta aí, de que há um descaso com o pequeno agricultor, com a agricultura. Então, nesse sentido, esses companheiros estão lutando para construir uma sociedade melhor, mais justa, igualitária. São bodes expiatórios, estão sendo vítimas dessa ação que, no nosso entendimento, é uma prisão política. Obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Eu gostaria de aproveitar a interrupção, após a fala do Deputado Luiz Casagrande, para registrar as presenças do companheiro Luiz Zanetti, da direção do Movimento dos Sem Terra; Davi Estival, da Executiva Estadual do PT e Coordenador do Movimento de Justiça e Reforma Agrária; João Zombone, Agrônomo do CAMPI – Centro de Assessoria Multiprofissional –, bem como da Drª Élida Capelã; do Frei Sérgio Gorgen, do Movimento de Justiça e Reforma Agrária; e do Sr. Hélio Corbellini, Secretário de Governo de Porto Alegre. O Ver. Artur Zanella também esteve presente. Continua com a palavra a Drª Élida.

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: Em resumo é isso aí. Nós colocamos à disposição dos senhores esses acórdãos, inclusive o filme e o dossiê. Ele dá um resumo das provas que constam nos autos. O filme complementa o dossiê. Nós nos colocamos à disposição dos senhores para melhor análise daquilo que fizemos até então, e colocamos que existe a necessidade real e concreta de revertermos a opinião pública, porque essas quatro pessoas que estão presas são inocentes. Em relação aos outros dois colonos, o motivo da prisão decretada em audiência foi o seguinte: as testemunhas, o Carlos Neier, muito conhecido em nível de imprensa, e o advogado Edson Siqueira colocaram que eles estariam sendo ameaçados de morte por telefone. Então, reconheceriam o Idone e o outro como sendo os ameaçadores.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Drª Élida, em que fase se encontra o processo? Já foi encerrada a fase de instrução? Está com o Juiz, para pronúncia?

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: As testemunhas da defesa são muitas, são onze indiciados, inclusive a colona que foi baleada pelo PM. A fase ainda está na inquirição das testemunhas.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Agradeço.

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: O que tínhamos a colocar era isso. É um processo muito volumoso, mais de mil e seiscentas páginas, até agora, só com depoimentos de testemunhas, com um laudo da necropsia. Ainda faltam as outras provas.

Vou deixar um dossiê, o acórdão, que é muito interessante. Só não tenho aqui o filme, mas me encarrego de colocar à disposição. Por ora, agradeço.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Passamos a palavra ao próximo debatedor, que é o Frei Sérgio, do Movimento de Justiça e Reforma Agrária.

 

O SR. SÉRGIO GORGEN: Quero agradecer à Câmara de Vereadores por esta oportunidade de se colocar a real situação do processo que está mantendo presos quatro colonos no Presídio Central há mais de nove meses.

Quero dizer que esses agricultores estão presos, basicamente, por três motivos. Do ponto de vista legal e jurídico, se eles tivessem cometido um crime comum, assassinado alguém a sangue frio, comprovado, e fossem presos em flagrante, estariam respondendo processo em liberdade, simplesmente aplicando a lei que está aí e que tem inúmeros casos iguais, por serem réus primários, terem residência fixa e por aí afora. Agora, eles participavam de uma ação política, onde foram violentamente espancados, cercados e praticamente arrebentados a pau, onde se defrontaram com um policial que deu cinco tiros atingindo três pessoas - uma na barriga, que ficou três dias na UTI do Pronto Socorro - e só depois desses cinco tiros é que, revoltados contra um policial desvairado, jogado pela sua corporação, pelos seus comandantes irresponsáveis, pelos dirigentes do Executivo irresponsáveis, que o jogaram nisso, inocente, e ele também treinado para fazer assim, foi levado à morte.

Numa circunstância dessas, se prendem quatro pessoas que, como está comprovado, não estiveram no local onde o soldado morreu. E estão há nove meses no Presídio Central! E não podem responder ao processo em liberdade! Escrevi um livro sobre isso, com outras pessoas, “Uma foice longe da terra”, e ouvi mais de cem pessoas, dentro e fora do Movimento, pessoas que passaram na hora. Eu hoje posso dizer, olhando nos olhos de cada um, com certeza absoluta, os quatro que estão no Presídio não passaram nem perto de onde o soldado morreu, tenho essa convicção, e sei que o Judiciário também, a própria Juíza que instrui o processo tem essa convicção, a BM. E eles continuam presos! Por quê? Basicamente, por três motivos, primeiro, preconceito, são colonos, se fossem latifundiários, empresários, qualquer outra categoria social, já estariam respondendo ao processo em liberdade; segundo, por motivos políticos, porque são colonos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

Dizem os próprios juízes, isso mancha o Judiciário gaúcho. Alguns dias atrás, tive um encontro com mais de vinte juízes e eu disse para eles, esse fato mancha o Judiciário gaúcho, que tem fama nacionalmente de ser um dos Judiciários mais independentes do País. Eles vão manter presos porque são uma ameaça à ordem pública. Isso só ocorre no nosso Estado, o Rio Grande do Sul. Só no Rio Grande há presos políticos. Por isso louvamos a iniciativa da Câmara Municipal de Porto Alegre, a sua coragem em fazer esta Sessão Especial, porque esse episódio mancha o nosso Estado. Somos de um Estado em que se mantêm quatro presos políticos. Não podemos, simplesmente, diante do Estado democrático que dizemos ser, simplesmente nos conformar com isto: termos quatro presos políticos.

Mas há um outro motivo pelo qual eles estão presos: o objetivo de forçar a delação dos que eles consideram o verdadeiro culpado. Posso dar exemplos, tenho conversado semanalmente com os colonos presos. É difícil passar uma semana sem que venha um ou outro capitão conversar com eles e dizer: “A gente sabe que não foram vocês, mas por que vocês ficam aqui pagando pelo que não fizerem? Contem quem foi e vocês sairão daqui”. Pressão sobre os familiares, também com o mesmo objetivo, ocorre. Eles simplesmente não podem contar, porque não sabem. Mesmo se soubessem, e não quisessem contar, eles poderiam fazer o seguinte raciocínio: se nós, que somos inocentes, não estamos tendo um tratamento justo, imaginem aquele que, num momento de desespero, numa situação incontrolável, provocada pelo Poder Público, que poderia ter tratado a questão de outra forma, se nós, inocentes, estamos tendo um tratamento tão injusto, será que o culpado, o que perdeu a cabeça, vai ter um julgamento justo? Será que vão ser consideradas as circunstâncias que levaram à morte do soldado? Com certeza não.

Então, vejam bem: esse motivo - o terceiro - é para forçar que apareça o culpado. Se assim fosse, deveríamos ter inúmeros outros fatos que teríamos de ter pessoas presas. No caso da morte do Jornalista José Antônio Daudt, teria que ter alguém na cadeia até que aparecesse o culpado da morte. Tem que manter alguém na cadeia, ou seja, para cada acontecimento do qual não se achar o culpado prende-se alguém até que se encontre o culpado. Então, na verdade, esses agricultores, por esses dois últimos motivos, para evitar novas ameaças de ordem pública e para que apareça o verdadeiro culpado, entre aspas, eles são reféns do Estado, do Judiciário. Acho importante que a opinião pública comece a tomar conhecimento desses fatos para conseguir outras coisas.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: A senhora que foi ferida no abdômen tem laço de parentesco com algum desses colonos que estão recolhidos no Presídio Central, acusados do homicídio?

 

O SR. SÉRGIO GORGEN: Não.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Eu lhe faço esta pergunta porque se tornou mais ou menos lenda, entre os leigos, de que ela seria esposa do Amaral. Se a resposta fosse positiva, eu lhe diria que um julgamento sério levaria o Amaral à condição de agir em legítima defesa. Mas acho importante que os dirigentes do Movimento, os advogados esclareçam a opinião pública sobre isto, porque tem muita gente que tem como verdade definitiva que essa senhora foi baleada pelo PM e que o marido, o Amaral, revoltado por ver a esposa ferida, teria assassinado o PM.

 

O SR. SÉRGIO GORGEN: A esposa do Amaral é professora primária em Giruá e vem aos finais de semana visitá-lo no Presídio Central. A prisão do Amaral foi baseado no reconhecimento de sete testemunhas. Reconheceram e colocaram o dedo direto. Isto se deu da seguinte forma: as chamadas testemunhas de acusação almoçaram e jantaram no quartel da Brigada Militar e, à noite, foram para o reconhecimento. Lá viram filmes e fotografias dos acontecimentos na praça e eles ficaram encarregados de reconhecer uma pessoa, que é uma liderança expressiva do Movimento dos Sem Terra, Gracele, que esteve em todos os momentos na negociação dos PMs, porque eles não estavam interessados em prender quem teria cometido o golpe fatal que levou à morte o PM, eles queriam prender a liderança. Esse era o objetivo da Brigada Militar. E eles identificaram, deram as características do Nelson Gracele olhando os filmes e as fotografias. Ele é alto, usa óculos, tem cabelos castanhos, está de calça de brim e de botas. No momento em que foram fazer o reconhecimento, encontraram apenas uma pessoa que era alta, que tinha cabelos castanhos, usava óculos e estava de botas, que era o Otávio. E eles foram direto. É esse. E o Gracele não estava. E também não passou por perto de onde se deu a morte.

Então foi uma armadilha, e o Gracele seria o ideal, porque eles conhecem a vida de todos os membros das lideranças do Movimento dos Sem Terra, eles têm ficha. No tempo que estava em Três Passos, trabalhando lá, vinham relatórios mensais sobre mim para o setor de informações da Brigada Militar de Porto Alegre. Todos do setor de informações da Brigada Militar investigam a nossa vida, os mínimos passos que nós damos, e eles sabiam que o Nelson Gracele tinha antecedentes de uma briga de festa de muitos anos atrás. Então, seria o caso perfeito. Teriam a ficha completa. É por isso que o Amaral está preso. As provas são mais do que claras, o Amaral foi atendido às dez para o meio-dia no Pronto Socorro, e a morte se deu quinze para o meio-dia. Seria praticamente impossível que ele, em cinco minutos, fosse deslocado da Esquina Democrática ao Pronto Socorro, só mesmo se ele fosse o “super-homem”. Acho que os fatos estão mais do que claros, nós estamos diante de uma prisão tipicamente política, inclusive se criando lendas, histórias como essa aí. Realmente, o que se deu ali foi uma reação coletiva, tanto que os agricultores que eu ouvi e que estiveram próximo, dizem assim: “Poderia ter sido ‘A’, ‘B’ ou ‘C’, como poderia ter sido eu”. Quer dizer, o que estivesse mais próximo teria reagido do jeito que reagiu. Tem que se colocar a seqüência dos fatos, inclusive, dos fatos anteriores.

Agora, só para vocês verem a dualidade das coisas. Em 1979, um avião com dono reconhecido, prefixo facilmente identificado, pulverizou com agrotóxicos um acampamento que levou à morte imediata quatro crianças e à morte posterior mais três e inúmeros com problemas de intoxicação, uns com seqüelas até hoje. O caso foi denunciado, um juiz pediu a investigação do caso e até hoje não se fez nada. Um agricultor levou um tiro na cabeça, atravessou o cérebro, foi salvo por um milagre da medicina, foi baleado por um policial da Brigada Militar que os colonos podiam dizer o nome e que não nos interessa, é um pobre diabo que está aí fardado, ganhando o pão de cada dia, porque os seus comandantes que mandam fazer isso, até hoje esse caso se encontra sem solução.

Em Bagé, vocês acompanharam, um agricultor teve o crânio esfacelado com um tiro, a arma facilmente identificada, porque as armas estavam todas juntas, e as vinte pessoas estavam juntas, os agricultores inclusive seguraram as pessoas juntas, porque houve um assassinato. Disseram que eles fizeram reféns, mas não, eles seguraram, disseram: “Olha, mataram um companheiro nosso, e nós queremos entregar para a polícia, porque um desses tem que ser, tinha vinte aqui, doze fazendeiros e pistoleiros e oito policiais, todos juntos na sede de uma fazenda. Para proteger fazenda tem policial à vontade neste Estado, não é? Para outras necessidades da população, muitas vezes não tem. Um desses foi quem matou”. Até agora não apareceu nada, não tem ninguém preso, está muito difícil identificar, o processo precisa mais trinta dias, enquanto, de quatrocentos agricultores, em trinta dias, a polícia tinha identificado onze indiciados, quatro presos. Vejam a diferença.

Uma criança morreu por omissão de socorro da Brigada Militar, porque os agricultores tinham um auto velho no acampamento e estava com os pneus furados, carecas. Saíram de fusca para levar, estourou o pneu na estrada e não puderam andar mais. Pegaram um trator para levá-la, e este foi preso numa barreira pela Brigada Militar. Quando não tinha mais jeito, a criança estava morre, não morre, os colonos foram até a barreira da Brigada Militar e imploraram, esta é a palavra, imploraram que os brigadianos levassem a criança até o hospital. Havia três viaturas lá, eles disseram que não podiam levar, e a criança morreu. Depois, a Brigada disse que não pôde levar por falta de combustível. Dá para entrar na cabeça da gente que três viaturas estivessem lá na barreira sem combustível? Então, não poderiam ter saído daquela barreira para voltar para Bagé! Isso só disseram depois, porque se tivessem dito na hora que não tinha combustível, os colonos teriam pego o combustível do fusca e colocado na viatura. Nós pedimos a abertura de inquérito para apurar essa omissão de socorro, que é uma coisa grave num órgão público, e até agora não foi aberto.

Agora nós temos quatro colonos claramente inocentes há nove meses dentro do Presídio Central! Então, vocês podem ver os dois pesos e as duas medidas disso. E a sociedade parece meio paralisada, porque, “mas bom, mataram um soldado”, como diz o Mendelski, covardemente, pelas costas, voltaram à prática da degola no Rio Grande do Sul. Esconderam da opinião pública o fato de que o soldado deu cinco tiros e feriu três pessoas antes de acontecer o que aconteceu, desligaram aquele fato do conjunto da repressão na praça, violentíssima que foi, o clima de revolta que criou, todos os fatos anteriores vividos por esses agricultores, o Ivo Lima ferido covardemente na cabeça e um monte de outras coisas, tudo isso foi esquecido e foi jogado na opinião pública: “colonos violentos, desalmados, covardes, agrediram pelas costas um PM que estava fazendo patrulhamento de rotina, casualmente passando por ali, desferiram um golpe de foice e o mataram e têm que pagar por isso”.

E todos os fatos que estou colocando aqui praticamente são escondidos da opinião pública. Então, é elogiável isso que a Câmara de Vereadores está fazendo, porque é o primeiro canal de um Poder aqui do Estado que passa a se comprometer com o restabelecimento da verdade e da justiça, para acabar com essa vergonha de o nosso Estado do Rio Grande do Sul manter quatro prisioneiros políticos aqui.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Gostaria de registrar, também, a presença do Secretário de Governo Hélio Corbellini, que representa o Prefeito Municipal Olívio Dutra.

Neste momento, colocamos a palavra à disposição dos companheiros presentes a esta Sessão. Ver. Dilamar Machado.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Eu gostaria de saudar a todos e dizer, particularmente ao Frei Sérgio e à Drª Élida, que esta Sessão é o resultado do trabalho de Plenário que vem sendo feito já há algum tempo por alguns Vereadores que têm denunciado de forma, não digo corajosa, de forma justa e aberta a situação ilegal da manutenção desses colonos presos no Presídio Central. Tenho também procurado dizer aos companheiros Vereadores não afeitos às lides do Direito que nós estamos diante um caso típico que diferencia o assassino do homicida, jamais se pode falar que colonos assassinaram um PM. É enorme a diferença que existe entre o homicídio e o assassinato. Assassino é aquele que sai de casa, sai de um local para outro pré-determinado a assaltar, a matar, a lastimar, a roubar e acaba tirando a vida de um semelhante, sai armado, sai pronto, ele tem a cabeça feita, ele é um criminoso, ele é um marginal, ele é um delinqüente. O homicida pode ser qualquer um de nós. A qualquer momento da nossa vida, usando do direito da legítima defesa, podemos tirar a vida de um semelhante que queira tirar a nossa. E, também, existem formas de legítima defesa de terceiro.

Agora, não temos dúvida, quanto ao relato aqui trazido, de que ele reflete a realidade. E eu concordo com o Luiz, o Sérgio, que o Judiciário do Rio Grande está sendo manchado neste momento. Nós já tivemos casos antecedentes. Em Sapucaia do Sul, alguns anos atrás, atuava um juiz que acabou excluído do Poder Judiciário face às brutalidades que cometeu, à sua arbitrariedade, ao seu espírito de maldade com qualquer tipo de réu de processo. Eu atuava, na época, no Fórum de Sapucaia, e tive casos pessoais e concretos da forma estúpida com que aquele Juiz pensava distribuir justiça e direito. O famoso Dr. Barbosa.

Conheço também o Juiz Dr. Guimarães que, à época, era juiz de direito na Comarca de São Leopoldo, e tive dois ou três casos de direito criminal em que ele atuava como juiz, indiscutivelmente um juiz extremamente injusto, e que me parece, ao longo do tempo, terá, se o Poder Judiciário quiser agir, o mesmo destino do Dr. Barbosa. Então, parece-me que a sua exclusão da Vara do Júri já é um avanço na possibilidade de que, ao abrigo da legislação penal brasileira, de um momento para outro, se consiga a liberação desses réus.

Diz o nosso Direito Penal, de forma muito clara, que responderá processo em liberdade o réu que for primário. E a primariedade se caracteriza pelo fato de o réu não ter nenhuma sentença condenatória transitada em julgado. Eu diria até ao Frei Sérgio que o caso desse líder do Movimento que teve algum problema de briga em festa, se ele não foi processado, condenado com sentença transitada em julgado, ele também é primário. Os bons antecedentes. É muito fácil. O advogado requer a certidão de antecedentes, a ocupação habitual, eles são agricultores sem terra, mas são agricultores, o trabalho deles, a vida deles, a luta deles é na terra e têm ocupação habitual. Quanto ao domicílio ou residência fixa, de algum lugar eles saíram, eles podem não ter terra, mas têm como comprovar que a sua família reside no interior de Três Passos ou de Ronda Alta, Quaraí, seja onde for. Então, indiscutivelmente, estamos diante de um fato político, de uma prisão política, e a expressão usada pelo Frei Sérgio, de que esses colonos são reféns do Estado é correta, é clara.

Eu gostaria que esse exemplo da Câmara fosse frutificado na Assembléia Legislativa, inclusive em setores do próprio Governo do Estado, da nossa Secretaria de Justiça, da Secretaria de Segurança, que chegue ao Congresso Nacional. É um fato singular na Justiça brasileira, esta possibilidade de o réu responder em liberdade parte de um princípio basilar da Constituição, e a Drª Élida já destacou, a inocência é presumida, o ônus da prova é de quem acusa. O Estado é que tem que provar que esses réus são os culpados do crime. Não tenho dúvidas, por conhecer os advogados envolvidos na defesa dos réus e por ser um dos grandes defensores do Tribunal do Júri, porque se este caso caísse num juiz singular e este juiz singular fosse o Dr. Guimarães Ribeiro, não tenho dúvida de que os colonos seriam condenados. Podem até recorrer ao Tribunal de Justiça, à ONU, onde for, mas a condenação viria, porque a cabeça do juiz é que decide, e nem sempre as justificativas de uma sentença condenatória estão de acordo com a legislação, com o que a codificação penal permite. Mas eles serão, em última análise, julgados pelos seus semelhantes, por sete jurados que serão sorteados entre vinte e um no Tribunal do Júri, e, pelas explicações que a Drª Élida deu, vejo como absolutamente tranqüila a inocência desses réus.

O fato aqui reside, companheiros Vereadores: em quanto tempo esses réus irão a julgamento? O julgamento de um único réu pode, dependendo da defesa, o processo de instrução criminal, levar dois anos, três anos. Basta o advogado requerer a ouvida de testemunhas em outros Estados da Federação, em outros Municípios, a precatória. E no caso se trata de quatro réus, é claro que a defesa precisa ouvir muita gente para preparar essa defesa. Aqui, dou apenas como colaboração e por interesse de que cheguemos ao resultado que nos serve, que é a libertação dos réus e a sua possibilidade de responder em liberdade ao processo. Parece-me que à defesa dos réus cabe, neste momento, a agilização do processo, no sentido de que cheguemos àquele momento fundamental em que o juiz da Vara do Júri vai pronunciar ou não um dos quatro réus ou todos eles. Então, seria mais como uma colaboração no sentido de procurar agilizar essa fase do processo. Se pronunciados os réus, vem a parte final do libelo acusatório e o júri. Então, parece-me que é taticamente o melhor caminho que a defesa deve tomar neste momento, procurar agilizar ao máximo, porque pelo menos a Drª Élida está empenhada e vai nos deixar esse dossiê. Claro que há uma convicção, e eu me alio a essa convicção, de que os réus são inocentes. Basta provar, sem deixar dúvidas, que não estavam no local do crime ou no local do fato. Não há como, não vejo como o promotor, que representa num processo criminal na Vara do Júri a acusação, acusar esses réus.

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: O problema é que nós enfrentamos uma greve do Judiciário. Esse fator agravou mais ainda a situação, porque prorrogou tudo aquilo. Inclusive, as intimações estão se dando de forma direta, os advogados vão diretamente na Vara, nas Comarcas, e se intimam para evitar a expedição de precatória. Tudo é levado em mãos. Está sendo tudo no sentido de agilizar o encerramento do processo, é claro que sem atropelamento.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Eu aproveitaria esse diálogo com a Drª Élida para perguntar como se comporta o Ministério Público neste caso. Quem é o promotor que está atuando no momento?

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: O comportamento do Ministério Público tem sido lamentável, porque a função do Ministério Público seria de fiscalizar a lei, fiscalizar a exata aplicação, se a lei está sendo aplicada corretamente ou não, e o Ministério Público, e isso já vem de muito tempo, desviou a sua função. Nós vemos, hoje, o Ministério Público como sempre o acusador, ele acusa. E não é essa a função. E, no caso específico dos colonos, tem-se salientado esta função desviada, que é de acusar e não de fiscalizar a lei em prol da sociedade. É muito lamentável que nós tenhamos chegado a esta situação. Agora, isso vem a demonstrar claramente que a atitude do Judiciário, hoje, em si, neste caso, tem sido uma atitude parcial, injusta, preconceituosa.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Eu lhe fiz a pergunta, porque eu já nominei os juízes. Normalmente, esses juízes, os dois que eu citei, tinham ao seu lado dois promotores ou um promotor cada um, um na Vara de Sapucaia e outro em São Leopoldo, que agiam estritamente dentro dos interesses do juiz. Ou seja, o parecer do promotor era feito junto com o juiz. Existem inúmeros casos concretos com relação a esse juiz e a esses dois promotores. Agora, se o Juiz Guimarães deixou a Vara do Júri, eu não sei quem está agora presidindo.

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: É uma juíza.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Para encerrar, Drª Élida, eu sugeriria, tendo em vista o fato já ressaltado pela senhora, já que o prazo legal de manter os presos, se houvesse uma justificativa, já extrapolou, uma nova tentativa, uma nova petição. Tem que se fazer uma petição por semana.

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: Isso já está sendo feito.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Eu quero agradecer a atenção de todos, acho que a minha posição ficou bem clara e, até, modestamente, queria dizer ao companheiro Davi, se, eventualmente, os companheiros entenderem de utilizar algum conhecimento que eu tenha, de alguma prática no setor, precisar dos meus serviços profissionais, não pensando em honorários profissionais, mas, sim, estar ao lado de uma causa que eu considero justa, não como Vereador, mas como advogado, me coloco à disposição para qualquer momento, para qualquer trabalho que possa somar, num objetivo que é de todos nós, neste dia e nesta Sessão, a liberdade dos quatro colonos.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

 O SR. PRESIDENTE: Eu quero registrar, também, mais uma vez, a presença do Inácio Benincá, pelo Departamento Rural da CUT do Rio Grande do Sul, e também a Associação Brasileira de Reforma Agrária, com seu representante do Rio Grande do Sul.

Com a palavra o Ver. Clovis Ilgenfritz, pela Bancada do PT.

 

O SR. CLOVIS ILGENFRITZ: Eu quero cumprimentar o Frei Sérgio, a Drª Élida, o companheiro Davi, o companheiro Inácio, os companheiros que estão presentes, o Ver. Dilamar Machado e, em especial, o Vereador que está presidindo esta Sessão, o companheiro Motta.

Eu quero dizer, também, que a nossa Bancada teve dificuldades de participar, por haver duas reuniões simultâneas, além de uma da Bancada, em função da greve dos municipários. Nós estamos acompanhando pari passu os movimentos e, no nosso gabinete, fizemos uma proposta, no dia 09 de abril, que foi aprovada por unanimidade pelo Plenário da Câmara: a Câmara fazer uma pressão institucional diante dos órgãos de Justiça, principalmente no novo Governo, Governador Collares, novo Secretário de Justiça, novo Chefe da Casa Civil e, em especial, para o setor da Justiça. Isto foi feito e recebemos apenas uma resposta, que foi a resposta do Gabinete do Governador, através do Chefe da Casa Civil, Dr. Mathias Nagelstein, dizendo que realmente este assunto era importante e que estavam de acordo, estavam solidários, mas que tinha que oficiar diretamente à Juíza Drª Elaine Machado. A Câmara novamente apreciou em Plenário, fez o ofício e enviou à Drª Elaine. Ainda não veio resposta.

A verdade é que estas questões estão sendo levantadas e, se não tiver um efeito imediato, poderão ser usadas pela direção do Movimento, pelos advogados que estão defendendo os companheiros colonos. E todos os pedidos que estou referindo foram no sentido de mantê-los em liberdade enquanto responderem o processo. O Ofício foi bastante claro, falando no nome dos quatro colonos presos e também para quem deveria ser enviado. Nós achamos que, no mínimo, pode ser usado como uma pressão institucional, uma pressão da Câmara de Porto Alegre, onde ocorreram os acontecimentos. E, desde o primeiro momento, tivemos um apoio direto, pessoal inclusive, do Ver. Dilamar Machado, o que facilitou também aqui na Casa a tramitação rápida daquele Requerimento. Nós continuaremos lutando por isso. Estamos divulgando, através de vários gabinetes, de vários Vereadores, de vários Partidos, mas posso falar em especial dos Vereadores do PT, que estão divulgando pari passu em todos os boletins, onde a gente pode, com matéria sobre isso. Não se perde nenhum dia e nenhum momento para falar sobre isso, sempre que há possibilidade. Quero deixar aqui o nosso apoio ao Movimento e a nossa esperança de que o quanto antes nós possamos, juntando forças, vamos demover esses entraves.

Não foi fácil, por exemplo, nós, como testemunha, sermos chamados lá, eles fazerem duas ou três perguntas completamente evasivas e dizerem para nós que poderíamos ir embora. Dissemos que gostaríamos de fazer uma declaração, e eles disseram que não queriam saber. Então, esta foi a forma como eles juntaram as peças para o processo. Muitas pessoas ali não conseguiram dizer o que achavam que tinha que ser dito. Diziam: “Nós não queremos ouvir”, “O senhor já disse o que nós queríamos”. Induzindo, como se fôssemos peças marcadas no processo.

 

A SRA. ÉLIDA CAPELÃ: Uma das características do Juiz que iniciou a instrução é a truculência. É autoritário, truculento e arbitrário. Tudo isto que o Clovis está relatando foi feito sob protesto de forma veemente na defesa.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Nesse momento em que uma testemunha de defesa, companheiro Clovis Ilgenfritz, é evidente, a Doutora já se antecipou na resposta, que por mais truculento que seja o juiz, o advogado de defesa é quem orienta a testemunha, pelo menos na hora do depoimento, sobre o que deve dizer. O advogado de defesa é quem tem que perguntar.

 

O SR. CLOVIS ILGENFRITZ: Não foi permitido.

 

O SR. DILAMAR MACHADO: Então, é mais do que uma truculência. É uma estupidez jurídica, e eu acho que a defesa deve requerer a reinquirição do Ver. Clovis Ilgenfritz, porque houve cerceamento de defesa.

 

O SR. CLOVIS ILGENFRITZ: Eu agradeço a intervenção da Doutora e do Vereador. Eu acho que realmente não foi só comigo que aconteceu isso. Várias outras testemunhas chamadas, e por lei tem que ir lá e falar, só que não falaram o que queriam, falaram “abobrinhas”, como se diz na gíria, coisas que não tinham a ver e que até desviassem a atenção do essencial. Eu tentei dizer para eles o que nós tínhamos testemunhado e porque nós estávamos indignados, a nossa visão de que aquele movimento foi precipitado, aquela situação inusitada de confronto foi precipitada por uma falta de obediência civil do Secretário, do Chefe da Polícia, no momento o Coronel Jair, que não aguardou ordens do Palácio, conforme tinha sido combinado com o Governador do Estado e uma Comissão de Deputados e membros representantes dos colonos que estavam reunidos naquele momento no Gabinete do Governador, com a presença do Secretário de Segurança Pública, com a presença do Secretário da Justiça e outras autoridades.

E, no entanto, quando nós inquirimos, na discussão que houve enquanto a Prefeitura esteve sitiada durante dezessete horas - nós estivemos participando direto das negociações junto com o Prefeito e o Vice-Prefeito Tarso Genro e outras pessoas, com o Secretário da Segurança, na época, Secretário da Justiça, o Dr. Madeira e o Dr. Eichenberg, mais as autoridades -, eles, na nossa presença, diziam, mandavam, davam ordens ao pessoal da Brigada, e eles diziam que não era possível cumprir, e a Polícia Civil foi chamada e disse a mesma coisa, na hora do tumulto quem dá as ordens é o Chefe da Polícia. Então, ficou muito ruim assim, foi reiteradamente desobedecida a ordem do Governo, e isso não é uma desculpa, porque o Governo deveria ter tomado outras atitudes para que aquilo não acontecesse, não é uma desculpa, mas aconteceu, e eles não tomaram nenhuma atitude posterior. Ninguém está discutindo porque aconteceu e, sim, o que aconteceu, mas o motivo ninguém está colocando em nível do institucional, em nível da defesa oficial da Promotoria do Estado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Gostaria de registrar, mais uma vez, que o Requerimento solicitando a Sessão Especial foi subscrito por quatro Vereadores, Ver. Dilamar Machado, do PDT, Ver. Omar Ferri, do PSB, e Ver. Lauro Hagemann, pelo PCB, portanto, de fato, dentro da Câmara já está constituído um espaço político considerável, e a Sessão é a materialização e a objetivação disso, no sentido de repudiar essa cultura militarizada que existe em alguns setores da própria Brigada Militar e no conjunto da sociedade brasileira. Se formos avaliar a Constituição Brasileira, a tutela militar está presente em vários artigos. Portanto, em primeiro lugar, trata-se de a gente ter uma visão crítica em relação a isso, até porque não é possível imaginar a separação, a preservação do princípio da separação de Poderes numa sociedade onde exista um quarto Poder, que é a tutela militar, que está constitucionalmente legitimada.

Há, de fato, ainda, essa cultura repressiva, militarizada, por parte de algumas pessoas que dirigem a Brigada Militar, as diversas instituições militares que existem no Brasil. Em segundo lugar, sob o ponto de vista do Poder Legislativo, da Câmara Municipal de Porto Alegre, me parece que seria importante haver essa manifestação para que não paire nenhuma dúvida de que, sob o ponto de vista dos direitos individuais e dos direitos fundamentais que estão contidos na Constituição Federal, uma conquista do povo brasileiro, não há como uma Casa Legislativa, um Poder Legislativo, no caso a Câmara Municipal, se omitir diante de um claro desrespeito fundamental do homem.

Portanto, é um precedente sério, lamento que isso venha, parta e esteja sendo assinado embaixo por um juiz, na medida em que todos nós almejamos e buscamos para se ter um Poder Judiciário cada vez mais independente e aberto ao conflito social. Não há como imaginarmos que uma sociedade evolua social, histórica e politicamente sem que ela esteja permeável aos diversos e múltiplos conflitos sociais. Pensar um direito parado no tempo e espaço seria pensar numa sociedade com um perfil totalitário ou que tenha ainda a sua informação e formação social e política formada pela idéia do Estado todo poderoso. Não é isso que queremos, queremos que o Estado esteja sempre permeável à preservação dos direitos coletivos e individuais, esteja permeável aos conflitos sociais, repito, e esteja fundamentalmente, nesta conjuntura política de crise, de muita indefinição, permeável à reforma agrária.

Não há como pensarmos a modernidade, é uma discussão que se faz, cada vez mais com maior intensidade, sem pensar em profundas reformas, inclusive no Estado brasileiro, um Estado que não é permeável, por exemplo, à democratização dos veículos de comunicação, é um Estado que ainda convive com uma legislação eleitoral truculenta, autoritária, enfim, um Estado que ainda não convive com a reforma agrária. Portanto, este espaço que conseguimos construir aqui, na Câmara, é exatamente uma tentava de afirmar uma alternativa, um projeto alternativo a essa hegemonia conservadora que, enfim, perpassa pelas múltiplas instituições. Queremos que a Câmara Municipal seja também a semente da liberdade, da democracia e da afirmação da luta da reforma agrária.

Agradeço pela presença de todos. Assim, cremos que cumprimos, modestamente, dentro de nossos limites, um papel na luta pela preservação dos direitos individuais e, fundamentalmente, da reafirmação de reforma agrária. Muito obrigado.

Estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 11h12min.)

 

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